“Só descobri o processo de Francisca Coronel na véspera de me vir embora dos Arquivos Secretos do Vaticano”
Os Arquivos Secretos do Vaticano estiveram na rota desta investigadora, que nos apresenta um olhar histórico e profundo sobre vários elementos dessa família. O FLUL Alumni falou com a autora, que se licenciou em História na FLUL na década de 70.
– Este é um livro que nos revela uma família historicamente importante…
Isabel Braga Abecassis (IBA): Sim. É uma família cujo percurso se entrecruza, ao longo dos séculos, com o da História de Portugal, residindo aí um dos pontos de interesse desta obra. É, de uma forma geral, a família do Correio-Mor. A história inicia-se na Lisboa quinhentista com a personagem do comerciante António Gomes de Elvas, pai do 1º correio-mor da família, Luís Gomes de Elvas, mais tarde Luís Gomes da Mata. A história continua depois através das diversas gerações da família, terminando no século XIX com o conde de Penafiel, o último correio-mor.
– São diversas gerações de uma família em perspectiva… Porquê o título “Entre a Fogueira e a Nobreza”? Esta era uma família que estava numa espécie de limbo constante?
IBA: Ao longo de séculos esta família esteve, de facto, “entre” a fogueira e a nobreza. Isto é, foi sempre olhada de soslaio como sendo uma família de Cristãos Novos, e que escapou à Inquisição apenas devido à sua capacidade financeira que a levou a emprestar dinheiro a monarcas, portugueses e espanhóis. E porquê o termo “nobreza” no título? Porque desde o início do século XVII muitos dos seus membros já eram fidalgos, mercê que lhes foi atribuída pelos monarcas pelo mesmo motivo. É a ascensão social desta família que é contada na obra.
– Ascensão mas, também, sobrevivência…
IBA: Sim, é uma história de sobrevivência. Repare-se que no início do século XVII o 2º correio mor da família, António Gomes da Mata, é olhado como sendo de “nação hebreia”, sendo sublinhado que não deve, por isso, exercer o ofício de correio-mor quando “os demais desta nação estão recolhidos nos cárceres do Santo Ofício e os outros fugidos do reino”. Ao longo de séculos esta família viverá num ambiente de hostilidade, situação que só virá a ser atenuada a partir de meados do século XVIII.
– São vários os elementos desta família que são retratados na obra. Quem são eles? Há alguma característica comum entre si?
IBA: São personagens que tiveram de uma forma ou de outra um percurso deveras curioso. Repare-se por exemplo no escravo que se tornou fidalgo, Manuel Gomes de Elvas, na extraordinária tenacidade de Francisca Coronel, a freira encarcerada no convento, na figura original que foi a espia Anne Armande du Verger… Penso que têm todos um traço comum: possuem uma força extraordinária. São personalidades que marcam!
– Francisca Coronel, a freira insubmissa, foi uma figura da história que descobriu e que a levou a cruzar as fronteiras do país em busca de mais informação. Quem era esta mulher?
IBA: Francisca Coronel era a filha mais nova do 1º correio-mor desta família, cujo destino de religiosa lhe foi imposto à força por seu pai e seus irmãos. Era normal que o convento fosse o destino de muitas mulheres da época. O que é extraordinário no percurso de Francisca é a revolta que ela demonstra contra a situação que lhe foi imposta. Revolta que dura décadas e que é contada nesta obra.
– Esta foi uma família que a história esqueceu, ou ainda não lembrou?
IBA: A história não a deverá esquecer até porque o património da cidade de Lisboa e arredores muito lhe deve. Repare-se no Palácio dos Condes de Penafiel localizado na rua de São Mamede ao Caldas, que foi um dos seus locais de residência e é hoje sede da CPLP. O Convento de Santa Teresa de Jesus de Carnide foi construído em terrenos doados por membros desta família. Outros monumentos como o Convento das Trinitárias no Largo do Rato e o Convento de Santo António da Convalescença na Estrada de Benfica foram mandados construir por elementos da família. A própria designação “Largo do Rato” a eles se refere, isto é, a Luís Nunes Coronel e seus filhos Luís de Sá e Menezes e Francisco de Sá e Menezes que foram conhecidos pela alcunha de “O Rato”. Nos arredores de Lisboa cite-se, ainda, o Palácio do Correio Mor em Loures, onde a família passou temporadas, mais ou menos longas.
– Foi uma investigação que a levou bem longe, por exemplo, até aos Arquivos Secretos do Vaticano… Foi um acesso difícil de garantir? Como decorreu essa investigação?
IBA: Não foi difícil de obter, seguiu os trâmites que se consideram normais. Recordo-me de vária documentação que tive que apresentar. A investigação correu muito bem atendendo ao tempo limitado de que dispunha para a fazer. Lembro-me que só descobri o processo de Francisca Coronel na véspera de me vir embora. Qualquer investigador pode avaliar a profunda satisfação que foi desencadeada por esta descoberta.
– Que não foi, de certeza, a única…
IBA: Deparei-me com alguns factos deveras curiosos ao longo da investigação. Para dar apenas um exemplo: na época da Guerra Peninsular (na qual participou o conde de Penafiel, último correio mor da família) foi interessante conhecer a opinião do general Beresford perante o que considera serem as qualidades e defeitos das forças militares portuguesas. Refere por exemplo o abuso das “baixas” como sendo um dos problemas com que as forças militares portuguesa se deparam. Não deixa no entanto de salientar, (quer ele, quer o general Wellington o fazem) a coragem que as mesmas forças portuguesas demonstram em combate.
– Ficaram algumas pontas soltas, que possam levar à escrita de um novo livro?
IBA: Ficam sempre pontas soltas… Mas há uma altura em que é necessário pô-las de lado e começar a escrever. Não creio, no entanto, que me levem a escrever um novo livro sobre o tema. Dei-o por encerrado, pelo menos para mim!
Hola, estoy estudiando desde España la familia Coronel, concretamente sus ramas castellanas en Guadalajara y Soria. Desearía ponerme en contacto con la autora para intercambiar información. Gracias